Perfil Paulo Marraccini
Engenheiro e velejador, Paulo Marraccini foi precursor da transformação digital no mercado de seguros e sua carreira de quase 60 anos é referência para os profissionais do setor
Na juventude, Paulo Marraccini planejou ser militar, mais especificamente servir na Marinha, porém um rigoroso exame de vistas atrapalhou o plano. Essa porta fechada abriu outra para uma carreira de sucesso no setor de seguros, construída em décadas no comando de grandes companhias e em destacada atuação institucional.
Tudo começou no início dos anos 1960, com um curso de engenharia eletrônica no ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica –, onde teve acesso ao melhor conhecimento em tecnologia disponível no país em uma época pré-internet. “Hoje, meus alunos do MBA perguntam se naquele tempo existia computador. Na verdade, em 1963 recebemos lá no ITA um dos primeiros computadores da IBM aqui no Brasil, que tinha 16k de memória”, lembra Marraccini.
Formado em 1965, inscreveu-se para uma bolsa de estudos no exterior e após seis meses dando aulas no ITA embarcou para um mestrado na Escola Superior de Aeronáutica da França, em Paris. Junto com os estudos, passou a trabalhar na então Thomson-CSF, hoje Thales Group, que desenvolve sistemas de informação e serviços para as indústrias aeroespacial, de defesa e de segurança.
Em 1970, ainda na França, foi para a Honeywell Bull onde começou a participar de projetos que desembocariam na transformação digital observada atualmente no setor financeiro. “Iniciamos a incorporação de tecnologia nesse segmento e fizemos, na Finlândia em parceria com a Nokia, a implantação de um dos primeiros sistemas bancários on-line do mundo”, conta. Durante o empreendimento, foi enviado à Phoenix, no Arizona, para conhecer a ARPANET, a rede de comunicações até então recém-criada pelo Departamento de Defesa dos EUA que foi a precursora da internet. E tornou-se um especialista em soluções on-line.
Com essa bagagem, assim que desembarcou no Brasil, em 1975, a então Brasil Companhia de Seguros Gerais, pertencente à AGF que operava no país desde 1903, buscou o jovem talento para desenvolver o seu sistema on-line. “Naquela época, a única companhia que tinha terminais on-line era a SulAmérica, que sempre foi pioneira nessa questão de informatização”, recorda.
Marraccini foi contratado como Diretor de Tecnologia da Brasil Seguros “sem entender nada sobre seguros”, como admite hoje, mas com grande conhecimento sobra a implantação de soluções on-line. “Logo tínhamos uma rede com mais de duzentos terminais em todo o Brasil para emissão das chamadas notas de seguros e consulta de tarifas e informações dos clientes”, diz. Já na década de 80, com o aumento da oferta pelos equipamentos, os computadores começaram a ser instalados nas agências e os corretores passaram a ter acesso à rede. “O resto é história”, finaliza.
Enquanto liderava a transformação digital da Brasil Seguros, Marraccini, antes de tudo um engenheiro bom de contas, era frequentemente convocado pela área financeira para auxiliar em complexos cálculos que envolviam juros compostos em um tempo de inflação descontrolada e calculadoras primitivas. “Depois de algum tempo assim, decidiram lá que era melhor me colocar como diretor financeiro de uma vez”, lembra.
O executivo sabia, no entanto, que o novo cargo exigiria mais do que a habilidade em matemática e foi para a FGV fazer uma especialização em finanças. Aproveitou e também fez um curso para a gestão de RH. “Com isso, acabei assumindo todo o backoffice da empresa”, resume.
Além disso, dedicou-se à criação de uma das primeiras companhias de previdência privada do país, a Prever, que a AGF estruturou junto com o Unibanco, o Bamerindus e o Nacional, bancos que nem existem mais. Também esteve à frente do fundo de previdência fechada dos funcionários da empresa até tudo ser vendido para o Itaú.
Foi por esse tempo que Marraccini começou a frequentar o Clube da Bolinha. “As primeiras vezes que estive com o grupo fui levado pelo Joaquim Aranha, meu colega da AGF. Isso foi entre 1987 e 1989. Mas só fui admitido definitivamente em 1995”.
O início dos anos 90 também marcou uma nova experiência internacional em sua carreira, quando a AGF abriu uma unidade na Argentina e o designou como Country Manager no país. “Foi um tempo bem corrido porque continuei morando no Brasil e viajando com grande frequência”, lembra. No país vizinho, esteve mais envolvido em grandes riscos e seguros industriais.
Ao mesmo tempo, Marraccini iniciou a sua bem-sucedida atuação institucional em um período de relevante transição do mercado. “Historicamente havia um tratamento diferente para as multinacionais de seguros no Brasil. Éramos até envergonhados de falar que trabalhávamos em companhias estrangeiras”, lembra, contando que ele e colegas como Pedro Purm e Mário Rossi eram “jocosamente chamados de grupo do sotaque”. Por conta desse ambiente, aliás, a subsidiária da AGF no país era chamada Brasil Seguros e a da Chubb, de Argo, por exemplo.
Mas esse cenário foi sendo gradativamente superado e, em 1995, Marraccini se tonou um representante de seguradora internacional na diretoria do Sindseg SP. Na função, um dos principais projetos em que esteve envolvido foi a criação de um protocolo único para a comunicação entre corretores e companhias. Hoje, admite que esse foi um dos poucos empreendimentos que não teve sucesso na carreira. “Trabalhei muito nisso, mas infelizmente a coisa não foi para a frente”, resigna-se.
Três anos depois foi o primeiro “estrangeiro” eleito presidente do sindicato, cargo que ocupou duas vezes, nos períodos de 1998 a 2001 e 2004 a 2007. No primeiro ano de mandato, como não poderia ser diferente, conectou a instituição à internet, mas sua prioridade foi abrir o sindicato, até então focado nos grandes grupos, para mais seguradoras. “Conseguimos agregar visões diferentes”, recorda.
Além disso, estimulou a produção de conhecimento para o mercado por meio das comissões técnicas, que passaram a atuar mais ativamente levando temas para análise e discussão e formalizando posições. E, no ano 2000, teve participação ativa na criação do Disque Denúncia, até hoje uma das principais ferramentas de combate à violência no Estado de São Paulo.
Enquanto isso, era vice-presidente de operações de uma AGF que havia sido comprada pela Allianz. “Foi um período muito agitado e, quando acabou o meu primeiro mandato de presidente no Sindseg SP, me afastei da atuação institucional para me dedicar completamente a esse processo de fusão”.
A dedicação integral rendeu bons resultados, tanto que logo foi promovido à presidente da companhia. “Mas foi por pouco tempo porque eu já estava chegando aos 60 anos e a Allianz tem como regra tirar os executivos da operação quando eles chegam a essa idade. Então, em 2003, me aposentei e fui para o conselho. Mas, hoje, aos 80, fico pensando se há vinte anos eu já estava gagá”. Não estava.
No Conselho da Allianz, sua principal função era o relacionamento institucional e dentro desse escopo voltou à presidência do Sindseg SP. No segundo mandato, priorizou a comunicação com a população e, em conjunto com o Sincor-SP, na época presidido por Leôncio de Arruda, criou o Programa Cultura de Seguro, com lançamento em um grande evento no Masp. Uma das primeiras iniciativas desse projeto que existe até hoje foi o “Educar para Proteger”, que distribuiu milhares de cartilhas informativas sobre o seguro para os alunos da rede pública de ensino.
Outra medida importante foi abrir o sindicato para as resseguradoras e para as empresas de previdência privada aberta. Nesse período totalmente voltado para a atuação institucional, além das funções no Sindseg SP, ainda foi presidente da FenSeg, diretor da FenaSeg, da FenaPrevi e da FenaSaúde.
Em 2017, após 14 anos, saiu do Conselho de Administração da Allianz também por ter alcançado a idade limite, 75 anos. Ainda longe de estar “gagá”, no entanto, imediatamente entrou para o Comitê de Auditoria da AXA e logo depois para o Comitê de Auditoria da Tokio Marine. Atualmente, participa dos dois grupos. Além disso, Marraccini é professor de Pós-graduação e vice-presidente da Academia Nacional de Seguros e Previdência. E um dos membros mais assíduos do Clube da Bolinha.
E, em paralelo à essa enorme carreira no mercado de seguros, continuou sempre ligado à Marinha como desejou desde a juventude. Realizou projetos em conjunto e, pelos serviços prestados, recebeu a Ordem do Mérito Tamandaré e a do Cavaleiro da Ordem do Mérito Naval. E, é claro, segue sendo um marinheiro, como é desde os 12 anos de idade. Hoje, comandante do próprio veleiro que conduz firme, aos 80 anos, pela Baía de Paraty.